Há uns tempos atrás num antigo trabalho que eu tinha do qual tive a brilhante ideia de sair (não estou mesmo a ser irónica) numa das boleias que a minha chefe na altura insistia em dar-me sem ser de todo preciso pois a minha casa ficava a 15 minutos a pé do local de trabalho, tive o infeliz episódio de perceber quando já tinha aceite a boleia, que á boleia ía também aquele meu colega que nunca ninguém percebeu porque foi privilegiado, mas a vida é assim certo, uns caem nas boas graças outros não, os motivos podem ser muito difíceis de aceitar quando não são trabalho sério e responsável demonstrado, mas isso é outra história que fica para outro capítulo.
Esse meu colega era homossexual, assumido e daqueles que faz questão de gritar aos 4 ventos que é ( como nenhum homem ou mulher hetero fazem ), era mesmo um daqueles apelidados “bichas” que vão buscar o pior que as mulheres têm e tornam-no como características suas. E falo da sexualidade dele porque isso nunca foi problema para mim, sou bissexual mas não faço questão de bradá-lo aos 4 ventos, até porque sabemos (quando são duas mulheres isso não é um grande problema social certo?), sempre respeitei a sexualidade dos outros como respeito a liberdade dos outros de serem o que bem entendem contando que não prejudiquem ninguém. Mas a questão aqui é que até áquele dia eu acreditava que as minorias de um certo tipo respeitavam outras minorias de um outro certo tipo. Por exemplo?
Eu sou feminista por várias razões que não vêm ao caso, sou mulher, sou vegana, sou portanto uma minoria que respeita e sente-se empática com outras causas também elas justas e minorias como a descriminação racial, as questões de emigração, os direitos dos animais, etc.
Ora nessa noite tentei criar uma simples conversa casual para o clima não ficar demasiado gélido, já que o “Paulo”, chamemo-lo de Paulo, por alguma razão misteriosa não gostava de mim desde o ínicio. Talvez fosse porque eu não fugia ao trabalho e não era muito de conversas. A conversa casual não resultou, o Paulo tinha ouvido dizer que eu não queria ter filhos e como sempre comportou-se não só como se todo o negócio fosse dele como também o meu útero lhe pertencesse.
Ele perguntou-me o porquê e eu justifiquei como sempre o faço quando percebo que não há a possibilidade de uma conversa produtiva: “porque nunca tive vontade”.
Não me julguem, eu sou uma pessoa muito observadora e sabia que o Paulo era tudo menos uma pessoa com maturidade para ter este tipo de conversas, ou acham normal alguém estar 90% do tempo no local de trabalho a assediar clientes e a lamber as botas da chefe com cuscuvilhices?
Surpreendentemente, mesmo com uma resposta tão curta o Paulo foi capaz de encontrar forma de me responder, de forma rude e grosseira que o que eu estava a fazer era um pecado e que se todas as mulheres pensassem como eu ele por exemplo não teria nascido. Geralmente não tenho resposta na hora quando sou apanhada de surpresa, mas nessa noite tive: “E lá uma mulher tem que carregar nas costas o fardo de quem podia ou não podia ter nascido? Ou não podemos decidir o que se passa no nosso próprio útero?”
Como sempre fazia o Paulo quando não tinha razão, olhou-me com desdém e virou-se de costas para mim, cheio de si e de coisa nenhuma, foi uma outra noite em que a mim como mulher tentaram roubar-me o poder de decidir o que fazer com o meu corpo e com o meu futuro.
O único aspecto que me deixou terrivelmente triste, é que a mesma mentalidade machista do Paulo o viraria tantas vezes contra ele mesmo, quando ele achava que tinha uma doença e que tinha que aceitar as ofensas homofóbicas na rua por ele ser homossexual. Bem, mas isso era problema dele não é?